Em 26 de dezembro de 2004, um grande terremoto ( o terceiro maior já registrado por um sismógrafo), produziu energia equivalente a 23 mil bombas atômicas semelhantes à de Hiroshima abaixo do oceano Índico atingindo a magnitude de 9,1 na escala Richter. Devido às vibrações sísmicas foram produzidas ondas de mais de 30 metros de altura que avançaram a mais de 800 quilômetros/hora e alcançaram um raio superior a 4.800 quilômetros, dizimando mais de 227.898 vidas.
No meio de toda essa tragédia, a repórter Rebecca Leung da CBS relatou uma experiência extraordinária: um grupo inteiro de pessoas, que viviam bem no caminho do tsunami, sobreviveu sem sofrer uma única baixa. Os moken são um grupo étnico austronésio cuja cultura nômade mantém estreita dependência do mar. Seus barcos de madeira fabricados à mão chamados de kabang, funcionam como uma casa flutuante. Enxergam duas vezes mais nítido debaixo da água que as pessoas desacostumadas com o mar. E foi justamente a intimidade com o oceano que os salvou. Conhecem seus humores e recados melhor que qualquer oceanógrafo, lendo as ondas do oceano como lemos as placas nas ruas. No dia do terremoto, assim que o mar começou a retroceder, muitos moken se puseram a chorar. Sabiam o que estava prestes a acontecer. Notaram que os pássaros tinham parado de cantar, as cigarras tinham se silenciado, os elefantes se dirigiam para terrenos mais altos e os golfinhos nadavam para longe de terra firme. Ao perceber os sinais, o que os moken fizeram? Os que estavam próximos da costa da Tailândia puxaram os barcos para a praia e puseram-se a caminho da maior elevação possível. Quem estava no mar conduziu sua embarcação mais para o alto-mar. Mergulharam até o fundo do oceano, onde sabiam que os efeitos do auge do tsunami seriam minimizados. E foi assim que todos se salvaram.
No momento em que estou escrevendo esse texto, leio a declaração do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que afirma que a metade da humanidade está na zona de perigo, de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios florestais. E que estamos enfrentando um “suicídio coletivo” devido à crise climática, como mostram os incêndios florestais e ondas de calor que estão ocorrendo nos países da Europa à Ásia. Na Espanha, uma onda de calor matou mais de 360 pessoas com temperaturas que chegaram a atingir 45ºC. Em Portugal, incêndios têm se alastrado por regiões de florestas queimando mais de 38 mil hectares. O Reino Unido emitiu, pela primeira vez, um alerta vermelho de “calor extremo” e os termômetros superaram os 40°C , fato inédito na história do país. O calor extremo de 50ºC à sombra têm levado os iraquianos a colocarem seus filhos dentro da geladeira por alguns minutos. Enquanto que o Japão enfrenta a pior onda de calor desde que se iniciou o registro climático em 1875.
Diante de tantas notícias eu volto à história dos moken. Eles se salvaram porque aprenderam a ouvir e a interpretar os sinais emitidos pelo mar. Porque mais importante do que ver os sinais é saber como reagir aos seus efeitos. Ao ser entrevistado sobre um grupo de pescadores birmaneses que morreram na passagem do tsunami, um moken sobrevivente disse: “Não sabem interpretar o que veem. Ondas, pássaros, cigarras e golfinhos falaram com os pescadores, mas infelizmente eles não souberam ouvir.”
E quanto a nós? Temos ouvido o que o meio ambiente está tentando nos falar?